sábado, 3 de dezembro de 2016

CRA 01 - A ORIGEM DOS DEUSES


A ORIGEM DOS DEUSES

1 – Introdução



Este curso é escrito por ateus para ateus que queiram se aprofundar no conhecimento de questões religiosas. As primeiras lições darão ideias básicas que servirão de alicerce para discussões mais profundas, que serão ministradas adiante.

E por que um curso de religião para ateus? Eu (Sérgio) e Julio, meu parceiro de outras jornadas, entendemos que muitas das vezes os debates sobre temas religiosos tem muito conteúdo baseado em estereótipos, desprezando construções baseadas em sociologia, história, etc. Sim, o debate raso, desprovido de técnica, leva a conclusões equivocadas, isso envolvendo religiosos e céticos.
É curioso também ver ateus famosos como Richard Dawkins, Cristopher Hitchens, Sam Harris realizarem diversas críticas às religiões como sendo um grande mal, - e não estou dizendo que as religiões não possam fazer muito mal ou não  possuam muitas vezes características nocivas – mas no decorrer desse curso será explicado que falta alguma coisa...E essa coisa é a metodologia, associada ao conhecimento.
Sim, esse curso surge não apenas como uma necessidade de criticar os problemas das religiões, que são  inúmeros, mas também criticar o pensamento ateísta, especialmente quando cientistas falam em nome da ciência criticando religiões, levando ao leigo à conclusão de que a ciência está provando que deuses não existem. 
A ciência não se preocupa com deuses! Eles não podem ser testados, verificados, etc. Deuses não interessam à ciência, a alguns cientistas talvez, mas não à ciência.
O reflexo das crenças religiosas interessa às ciências humanas, mas os deuses não.
Ainda é cedo para que você que irá acompanhar esse curso chegue a alguma conclusão. Teremos tempo para nos aprofundar em questões sociológicas, históricas e filosóficas...E sua opinião será sempre muito bem vinda! Bom, chegou a hora da discussão. Vamos Começar?

2 – Demiurgos (deuses criadores)
Ao olhar pela janela ou sair pelas ruas você contempla coisas espetaculares. Se o dia não estiver muito nublado, você verá o sol, a grande fonte de energia de nosso planeta, que nos ilumina, favorece o plantio, nos protege do frio...
Você contemplará a natureza ao se deparar com pássaros, rios e mares. Você poderá inclusive ficar maravilhado com a beleza das coisas, cores e formatos, tudo esculpido pela natureza. Imagine você olhar para os céus noturnos e ver incontáveis pontos brilhantes, e poder contemplar tudo o que existe... É praticamente impossível você negar as digitais de um criador, um demiurgo, um deus.

Um teólogo Britânico que viveu nos séculos XVIII e XIX, William Paley, tinha essa percepção. Ele fazia uso do argumento do relógio: se você acha uma pedra na natureza é um fato natural, ela sempre  esteve ali, mas se você acha um relógio na natureza, você sabe que alguém o fabricou. Até mesmo pela complexidade do equipamento, este não poderia surgir do acaso na natureza. Paley analisava  também o olho humano, e o usava como exemplo da complexidade das coisas e sabia que ali estava a comprovação de que havia a atuação de algo ou alguém que seria o causador de tudo! E esse desenhista, inventor e criador, seria “Deus”.
Nós, brasileiros, em nossa maioria somos devotos da fé cristã, ou seja, para nós tudo o que existe teve uma origem na criação de “Deus”, e através de seu livro sagrado, a bíblia, sabemos como tudo começou.
Na bíblia, no livro de Gênesis nos é contado a origem de tudo. A autoria desse livro é atribuída a Moisés, e como todos os livros da BÍBLIA seria inspirado por Deus. Esse livro, a bíblia, na verdade um cânon, um conjunto de livros reconhecidos como inspirados por Deus, diz que no princípio esse mesmo  “Deus” criou os céus e a terra. Deus criou o dia e a noite, criou algo que se chama firmamento, uma espécie de teto, lá em cima, criou as águas, o sol, a lua, os animais e, por fim, o ser humano, com Adão e Eva, o primeiro casal.
Porém, para outros povos e culturas a criação de tudo teve outros personagens míticos. Para os Hinduístas, uma religião típica da Índia, os relatos mais importantes afirmam que durante uma meditação o deus Brahma criou tudo, o sol, as estrelas, a escuridão e milhões de deuses para neutralizar os inúmeros demônios surgidos na escuridão.
Os gregos antigos possuem vários relatos de criação, mas o mais importante está no livro Teogonia, atribuído a Hesíodo, produto da revelação de seres sobrenaturais chamados de Musas, ou seja, essas musas contaram tudinho pra Hesíodo. O livro fala da origem de tudo, do Caos, ou vazio primitivo, de Gaia, a mãe-terra, e fala que havia um deus chamado Urano... Da cópula de Gaia e Urano nasceu tudo o que conhecemos. 
Porém, naquela época havia forte presença da oralidade, ou seja, muitos ritos e mitos eram passados de pessoa a pessoa até chegar a um momento em que alguém escreveria aquela história. Por exemplo, noutro relato de criação grego havia uma serpente de nome Orfeão que aqueceu um ovo, o ovo primordial, posto pela deusa Eurínome, que assumiu a forma de uma pomba. Desse ovo primordial nasceu tudo o que existe.
Para muitos dos povos nórdicos o vazio primitivo se chamava Ginnungagap. Desse nada surgiram dois reinos, Muspelheim, do calor, e Niflheim, do frio. Estudiosos acreditam que esses paralelos foram criados por conta do calor vulcânico e dos invernos gelados naquela região.
No Egito antigo a maioria dos mitos de criação apontava para Amon-Rá como grande demiurgo, ou criador.
Para os babilônios, Marduk atacou a deusa Tiamat e do seu corpo surgiu o cosmos.
Para muitos chineses tudo foi criado por Pan Gu, que dormia no caos. Ao acordar, Pan Gu pôs ordem na desordem, e criou o universo. Pan Gu voltou a dormir, e os seus olhos se transformaram no sol e na lua. Uma deusa, Nu Wa, surgida da criação de Pan Gu, criou os seres humanos.
Para os japoneses, tudo foi criado por um casal de deuses, Izanagi e Izanami.
Na África, temos versões incontáveis dos mitos de criação. Na República Democrática do Congo, por exemplo, o Deus Supremo vomitou o sol, a lua e as estrelas. Para a nação Ketu, Oxalá usou água e lama para criar os humanos.
Em muitas culturas existe a presença da serpente, do ovo primordial, da luta entre deuses, e é importante perceber que as crenças não permanecem uniformes através do tempo e espaço.
A própria religião judaico-cristã-islâmica é um bom exemplo disso. Toda a crença foi estabelecida através de uma mitologia judaica. Muitos Judeus negam Jesus e o veem como farsante. Os cristãos acreditam que Jesus é o próprio “Deus” e o redentor da humanidade. Para os Islâmicos Jesus seria apenas um grande profeta.
Um exemplo de mudança através dos tempos, é que no antigo testamento o deus da guerra se transforma num deus que oferece a outra face ao inimigo (no novo testamento). Se você se aprofunda no conhecimento da chamada religião grega, você perceberá que os mesmos personagens se transformam através dos tempos, assumindo diversas características diferentes e os mitos que os cercam são modificados em função do tempo e/ou do local onde são contados.

3 – A Revelação e a Origem dos Deuses


Então, como surgem esses seres sobrenaturais? Qual é a origem desses deuses?
Vamos primeiramente falar em escrita, porque através dela discutiremos os primeiros registros divinos. É preciso entender que a escrita é algo recente, estima-se que possui algo aproximado a 8000 anos, e a escrita não surgiu de maneira uniforme no mundo. Assim, antes disso, o ser humano repassava aquilo que aprendia através da palavra.
Para o filósofo Danilo Marcondes, a pergunta de como surgem os mitos dos deuses é explicada através da seguinte palavra:
“Revelação”. E essa revelação é a vontade do mito, uma realidade exterior ao mundo humano e natural, superior, misteriosa, divina. Esse deus ou mito repassa aos profetas essa revelação como sendo uma norma obrigatória a ser seguida por todos ligados àquela crença.
Já falamos nesse texto que Hesíodo recebeu das Musas a Revelação sobre a origem dos deuses gregos. O espírita Allan Kardec, em seu livro A Gênese dispõe um capítulo exclusivo sobre a explicação do porque alguns seres humanos recebem os desígnios de revelação divina.
O Corão, o versículo 4 da segunda surata menciona a revelação divina a Mohamed, ou  Maomé.
Em síntese, a revelação é a base de comunicação de um povo com seus deuses, e esses deuses normalmente protegem seu povo. Melhor dizendo, o detentor de uma crença é protegido por deus ou deuses, o que lhes dá legitimidade, inclusive, muitas das vezes, a praticar atos hostis contra outros povos.

4 – Deuses Guerreiros


Diversos eram os deuses da guerra nas mais variadas culturas... O próprio deus judaico-cristão-islâmico já foi chamado, em êxodo 15:3, “Senhor da Guerra” contra os que eram chamados de ímpios. Inúmeras vezes, como nos salmos 24.10 e 80.7, o Deus dos hebreus é citado como  “Senhor dos Exércitos”. Ares e Atena para os gregos, Odin para os nórdicos, Ogun para os africanos, Rugievit para os eslavos representavam a luta contra o inimigo, representavam a possibilidade de vitória. E nessa seara, quase sempre existia a presença de heróis quase invencíveis como Sansão, Hércules, Suzano, Beowulf e tantos outros.

5 – Os Mitos



Danilo Marcondes complementa, dizendo que “por ser parte de uma tradição cultural, o mito configura assim a própria visão de mundo dos indivíduos, a sua maneira mesmo de vivenciar esta realidade...’ “O mito não se justifica, não se fundamenta, portanto, nem se presta ao questionamento, à crítica ou à correção”.
É claro que se você adentrar na esfera da pesquisa teológica você encontrará grandes questionadores, como Santo Agostinho de Hipona.
Santo Agostinho bebeu de diversas fontes, inclusive o maniqueismo, até chegar a ser um fiel devoto da fé cristã... Foi um questionador por essência, e tamanha a sua importância terá um capítulo dedicado ao seu pensamento.
Mas como veremos no decorrer desse curso, o dogma religioso, mesmo para os maiores questionadores, parece prevalecer diante do enfrentamento de muitas questões... Mas claro que as conclusões aqui nesse curso serão suas, não nossas!
A visão ateísta entende que os deuses foram forjados pelos homens, são frutos de sua criação. Mas os ateus não conseguem explicar a origem de tudo, ou da própria vida.
As teorias da origem do universo, da origem da vida e da evolução nos apontam caminhos a percorrer, que são fruto do conhecimento científico. Falaremos de cada uma dessas teorias adiante, aliás, vamos explicar até o que é uma Teoria Científica, pois a ignorância do significado dessa expressão prejudica o bom debate. O pastor Silas Malafaia critica a Teria da Evolução alegando que ela é apenas uma teoria, mas o pobre coitado não faz a menor ideia do que seja isso.
A boa ignorância do pastor Silas, em princípio, não isentaria os ateus de darem explicações sobre tudo...Ou isentaria? Verdade, verdadeira, o ônus da prova de quem faz a afirmação é de “quem faz a afirmação”. Não cabe ao ateu, por exemplo, provar que qualquer deus não existe, mas cabe ao religioso provar que seu deus ou seus deuses existem. E na próxima aula você conhecerá os meios de prova dedutivo e empírico, e compreenderá onde surgem as divergências, inclusive para os que produzem tais “provas”, pessoas do quilate de Descartes, Berkeley, Kant e Hegel: Só isso!
Aliás, as religiões nos dão todas as respostas: “ De onde vim, quem eu sou e para onde eu vou”. Porém, do ponto de vista secular a melhor resposta a essas indagações é: “Eu não sei, mas estou buscando saber”. As religiões nos dão verdades absolutas, enquanto  a ciência nos dá apenas  razoáveis certezas. Assista a  próxima aula que a gente vai explicar isso bem direitinho.
Afinal de contas, no século VI antes da era cristã, o filósofo Tales, mesmo sem negar seus deuses, buscou separar o conhecimento dos mitos. O meio natural poderia nos dar respostas, e é isso que estaríamos buscando. É por isso que o desenvolvimento da filosofia gerou o método científico, para que possamos nos afastar dos palpites abalizados das revelações proféticas e enveredemos num caminho mais trabalhoso, fugindo do comodismo das respostas prontas e dogmáticas, reveladas por algum deus a algum profeta, buscando encontrar verdades razoáveis, e não absolutas.
Foi um padre, George Lemaitre, o maior pensador da Teoria do Big Bang, que deu caminhos para conhecer o Universo a partir da expansão de um objeto inferior ao tamanho de um átomo. Os restos mortais de Darwin, ícone da Teoria da Evolução, encontram-se enterrados na Abadia de Westminster.  Um grande gênio da física, Newton, dedicou seus últimos dias à sua fé e até à alquimia. Não podemos também esquecer que a igreja católica pediu perdão tardio a Galileu, condenado por dizer que a terra orbitava o sol, e não o contrário.
Pelo que se vê, as religiões necessariamente não se afastam do conhecimento e de seus propagadores. Aliás, quantas universidades católicas e protestantes não existem por aí? Na Grécia Antiga, a deusa Atena era também conhecida como a deusa da sabedoria. Toth para os  egípcios representava o conhecimento e também a sabedoria, o mesmo caso de Sarasvati para os hindus.
A questão é encontrar o equilíbrio entre conhecimento e religião, e desejar que alguns segmentos das religiões enfrentem seus dogmas e  busquem compreender que conhecimento não é ruim, é bom, tudo isso sem traumas e sem medos!
Se o que se busca são explicações, é preciso discutir as coisas sem usar de estereótipos, sem algazarra, sem medo de encontrar respostas, e isso vale para todos.
Fica então o convite para continuar navegando nessa gama de conhecimentos...Na busca infinita pela verdade... Seja ela qual for!

6 - Você aprendeu nessa aula:


Nesse capítulo você aprendeu que dentro de uma perspectiva ateísta os deuses são criados pelos homens para dar respostas aquilo que não conseguimos explicar.
Muitos religiosos buscam então provar a existência de seus deuses não pelo método empírico, o método popperiano...falseabilidade, replicação, essas coisas...Mas essa prova viria através do método dedutivo, ou seja, da razão. Como dissemos, na próxima aula vamos enfrentar essa questão, a Razão de Deus, identificando até que ponto a razão pode provar ou não qualquer coisa.
Voltando ao nosso texto, esses deuses serviram e servem como elementos agregadores de diversas comunidades, ou seja, os deuses foram elementos de ajuntamento grupal, e foram e ainda hoje são usados como justificativas para atacar e conquistar terras e outros bens pertencentes a outros povos, coisa feita, por exemplo, por grupos extremistas como o Estado Islâmico em relação aos próprios islâmicos.
Os deuses e suas normas surgem de revelações divinas a profetas que possuem qualidades eleitas por “esses mesmos deuses”, ou seus representantes, como virtuosas. Essas revelações divinas correspondem, para muitos países islâmicos, normas de comportamento civil, tendo força de ordenamento jurídico, como a Charia, por exemplo.

Quaisquer religiões tendem a se ramificar e se transformar no tempo e no espaço. Numa mesma região um povo pode dar características diferentes ao mesmo deus ou deuses, e com o tempo esses deuses vão adquirindo novas características e sua doutrina vai sendo modificada, inclusive costumes e ritos.

7 - Referências

































2 comentários:

  1. Nos livros de referências, senti falta de O Mundo Assombrado Pelos Demônios, do Carl Sagan. Já li vários livros sobre ateísmo, mas esse foi o que mais me tocou. O curioso é que ao adquirir esse livro, ao ler as primeiras páginas, achei o livro muito chato e o esqueci numa estante. Uns três anos depois, na falta de outro livro para ler, retomei a leitura dele, e fiquei fascinado pelo livro.

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    1. Sim, eu li esse livro, mas não o referenciei para essa lição. Ele será utilizado em episódios futuros, especialmente quando falarmos sobre os perigos das religiões, especialmente a religião cristã. Junto a isso está uma análise de como o cristianismo primitivo foi subjugado pela "política católica". Não duvide que esse curso irá encarar polêmicas sem medo e de frente. Obrigado por comentar. Abraços!

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