A ORIGEM DOS DEUSES
1 – Introdução
Este curso é escrito por ateus para ateus que queiram se aprofundar no conhecimento de questões religiosas. As primeiras lições darão ideias básicas que servirão de alicerce para discussões mais profundas, que serão ministradas adiante.
E por que um curso de religião para ateus? Eu (Sérgio) e Julio, meu parceiro de outras jornadas, entendemos que muitas das vezes os debates sobre temas religiosos tem muito conteúdo baseado em estereótipos, desprezando construções baseadas em sociologia, história, etc. Sim, o debate raso, desprovido de técnica, leva a conclusões equivocadas, isso envolvendo religiosos e céticos.
É curioso também ver ateus famosos como Richard
Dawkins, Cristopher Hitchens, Sam Harris realizarem diversas críticas às religiões como sendo um
grande mal, - e não estou dizendo que as religiões não possam fazer muito mal ou
não possuam muitas vezes características
nocivas – mas no decorrer desse curso será explicado que falta alguma coisa...E
essa coisa é a metodologia, associada ao conhecimento.
Sim, esse curso surge não apenas como uma
necessidade de criticar os problemas das religiões, que são inúmeros, mas também criticar o pensamento
ateísta, especialmente quando cientistas falam em nome da ciência criticando
religiões, levando ao leigo à conclusão de que a ciência está provando que deuses
não existem.
A ciência não se preocupa com deuses! Eles não podem ser testados, verificados, etc. Deuses não interessam à ciência, a alguns cientistas talvez, mas não à ciência.
A ciência não se preocupa com deuses! Eles não podem ser testados, verificados, etc. Deuses não interessam à ciência, a alguns cientistas talvez, mas não à ciência.
O reflexo das crenças religiosas interessa às ciências
humanas, mas os deuses não.
Ainda é cedo para que você que irá
acompanhar esse curso chegue a alguma conclusão. Teremos tempo para nos
aprofundar em questões sociológicas, históricas e filosóficas...E sua opinião
será sempre muito bem vinda! Bom, chegou a hora da discussão. Vamos Começar?
2 –
Demiurgos (deuses criadores)
Ao olhar pela janela ou sair pelas ruas você
contempla coisas espetaculares. Se o dia não estiver muito nublado, você verá o
sol, a grande fonte de energia de nosso planeta, que nos ilumina, favorece o plantio,
nos protege do frio...
Você contemplará a natureza ao se deparar com
pássaros, rios e mares. Você poderá inclusive ficar maravilhado com a beleza
das coisas, cores e formatos, tudo esculpido pela natureza. Imagine você olhar
para os céus noturnos e ver incontáveis pontos brilhantes, e poder contemplar
tudo o que existe... É praticamente impossível você negar as digitais de um
criador, um demiurgo, um deus.
Nós, brasileiros, em nossa maioria somos devotos
da fé cristã, ou seja, para nós tudo o que existe teve uma origem na criação de
“Deus”, e através de seu livro sagrado, a bíblia, sabemos como tudo começou.
Na bíblia, no livro de Gênesis nos é contado a
origem de tudo. A autoria desse livro é atribuída a Moisés, e como todos os
livros da BÍBLIA seria inspirado por Deus. Esse livro, a bíblia, na verdade um
cânon, um conjunto de livros reconhecidos como inspirados por Deus, diz que no
princípio esse mesmo “Deus” criou os céus
e a terra. Deus criou o dia e a noite, criou algo que se chama firmamento, uma
espécie de teto, lá em cima, criou as águas, o sol, a lua, os animais e, por
fim, o ser humano, com Adão e Eva, o primeiro casal.
Porém, para outros povos e culturas a criação
de tudo teve outros personagens míticos. Para os Hinduístas, uma religião
típica da Índia, os relatos mais importantes afirmam que durante uma meditação o
deus Brahma criou tudo, o sol, as estrelas, a escuridão e milhões de deuses
para neutralizar os inúmeros demônios surgidos na escuridão.
Os gregos antigos possuem vários relatos de
criação, mas o mais importante está no livro Teogonia, atribuído a Hesíodo, produto da revelação de seres
sobrenaturais chamados de Musas, ou seja, essas musas contaram tudinho pra
Hesíodo. O livro fala da origem de tudo, do Caos, ou vazio primitivo, de Gaia,
a mãe-terra, e fala que havia um deus chamado Urano... Da cópula de Gaia e
Urano nasceu tudo o que conhecemos.
Porém, naquela época havia forte presença da
oralidade, ou seja, muitos ritos e mitos eram passados de pessoa a pessoa até
chegar a um momento em que alguém escreveria aquela história. Por exemplo, noutro
relato de criação grego havia uma serpente de nome Orfeão que aqueceu um ovo, o
ovo primordial, posto pela deusa Eurínome, que assumiu a forma de uma pomba.
Desse ovo primordial nasceu tudo o que existe.
Para muitos dos povos nórdicos o vazio
primitivo se chamava Ginnungagap. Desse nada surgiram dois reinos, Muspelheim,
do calor, e Niflheim, do frio. Estudiosos acreditam que esses paralelos foram
criados por conta do calor vulcânico e dos invernos gelados naquela região.
No Egito
antigo a maioria dos mitos de criação apontava para Amon-Rá como grande demiurgo,
ou criador.
Para os
babilônios, Marduk atacou a deusa Tiamat e do seu corpo surgiu o cosmos.
Para muitos
chineses tudo foi criado por Pan Gu, que dormia no caos. Ao acordar, Pan Gu pôs
ordem na desordem, e criou o universo. Pan Gu voltou a dormir, e os seus olhos
se transformaram no sol e na lua. Uma deusa, Nu Wa, surgida da criação de Pan
Gu, criou os seres humanos.
Para os
japoneses, tudo foi criado por um casal de deuses, Izanagi e Izanami.
Na África,
temos versões incontáveis dos mitos de criação. Na República Democrática do
Congo, por exemplo, o Deus Supremo vomitou o sol, a lua e as estrelas. Para a
nação Ketu, Oxalá usou água e lama para criar os humanos.
Em muitas
culturas existe a presença da serpente, do ovo primordial, da luta entre
deuses, e é importante perceber que as crenças não permanecem uniformes através
do tempo e espaço.
A própria
religião judaico-cristã-islâmica é um bom exemplo disso. Toda a crença foi
estabelecida através de uma mitologia judaica. Muitos Judeus negam Jesus e o
veem como farsante. Os cristãos acreditam que Jesus é o próprio “Deus” e o redentor
da humanidade. Para os Islâmicos Jesus seria apenas um grande profeta.
Um exemplo de
mudança através dos tempos, é que no antigo testamento o deus da guerra se
transforma num deus que oferece a outra face ao inimigo (no novo testamento).
Se você se aprofunda no conhecimento da chamada religião grega, você perceberá
que os mesmos personagens se transformam através dos tempos, assumindo diversas
características diferentes e os mitos que os cercam são modificados em função
do tempo e/ou do local onde são contados.
3 – A Revelação e a Origem dos Deuses
Então, como
surgem esses seres sobrenaturais? Qual é a origem desses deuses?
Vamos
primeiramente falar em escrita, porque através dela discutiremos os primeiros
registros divinos. É preciso entender que a escrita é algo recente, estima-se
que possui algo aproximado a 8000 anos, e a escrita não surgiu de maneira
uniforme no mundo. Assim, antes disso, o ser humano repassava aquilo que
aprendia através da palavra.
Para o
filósofo Danilo Marcondes, a pergunta de como surgem os mitos dos deuses é
explicada através da seguinte palavra:
“Revelação”. E
essa revelação é a vontade do mito, uma realidade exterior ao mundo humano e
natural, superior, misteriosa, divina. Esse deus ou mito repassa aos profetas essa
revelação como sendo uma norma obrigatória a ser seguida por todos ligados àquela
crença.
Já falamos
nesse texto que Hesíodo recebeu das Musas a Revelação sobre a origem dos deuses
gregos. O espírita Allan Kardec, em seu livro A Gênese dispõe um capítulo
exclusivo sobre a explicação do porque alguns seres humanos recebem os
desígnios de revelação divina.
O Corão, o
versículo 4 da segunda surata menciona a revelação divina a Mohamed, ou Maomé.
Em síntese, a
revelação é a base de comunicação de um povo com seus deuses, e esses deuses
normalmente protegem seu povo. Melhor dizendo, o detentor de uma crença é
protegido por deus ou deuses, o que lhes dá legitimidade, inclusive, muitas das
vezes, a praticar atos hostis contra outros povos.
4 – Deuses Guerreiros
Diversos eram
os deuses da guerra nas mais variadas culturas... O próprio deus judaico-cristão-islâmico
já foi chamado, em êxodo 15:3, “Senhor
da Guerra” contra os que eram chamados de ímpios. Inúmeras vezes, como
nos salmos 24.10 e 80.7, o Deus dos hebreus é citado como “Senhor
dos Exércitos”. Ares e Atena para os gregos, Odin para os nórdicos,
Ogun para os africanos, Rugievit para os eslavos representavam a luta contra o
inimigo, representavam a possibilidade de vitória. E nessa seara, quase sempre
existia a presença de heróis quase invencíveis como Sansão, Hércules, Suzano, Beowulf
e tantos outros.
5 – Os
Mitos
Danilo Marcondes complementa, dizendo que “por
ser parte de uma tradição cultural, o mito configura assim a própria visão de
mundo dos indivíduos, a sua maneira mesmo de vivenciar esta realidade...’ “O
mito não se justifica, não se fundamenta, portanto, nem se presta ao
questionamento, à crítica ou à correção”.
É claro que se você adentrar na esfera da
pesquisa teológica você encontrará grandes questionadores, como Santo Agostinho
de Hipona.
Santo Agostinho bebeu de diversas fontes, inclusive
o maniqueismo, até chegar a ser um fiel devoto da fé cristã... Foi um
questionador por essência, e tamanha a sua importância terá um capítulo dedicado
ao seu pensamento.
Mas como veremos no decorrer desse curso, o
dogma religioso, mesmo para os maiores questionadores, parece prevalecer diante
do enfrentamento de muitas questões... Mas claro que as conclusões aqui nesse
curso serão suas, não nossas!
A visão ateísta entende que os deuses foram
forjados pelos homens, são frutos de sua criação. Mas os ateus não conseguem
explicar a origem de tudo, ou da própria vida.
As teorias da origem do universo, da origem da
vida e da evolução nos apontam caminhos a percorrer, que são fruto do
conhecimento científico. Falaremos de cada uma dessas teorias adiante, aliás,
vamos explicar até o que é uma Teoria Científica, pois a ignorância do
significado dessa expressão prejudica o bom debate. O pastor Silas Malafaia
critica a Teria da Evolução alegando que ela é apenas uma teoria, mas o pobre
coitado não faz a menor ideia do que seja isso.
A boa ignorância do pastor Silas, em princípio,
não isentaria os ateus de darem explicações sobre tudo...Ou isentaria? Verdade,
verdadeira, o ônus da prova de quem faz a afirmação é de “quem faz a afirmação”.
Não cabe ao ateu, por exemplo, provar que qualquer deus não existe, mas cabe ao
religioso provar que seu deus ou seus deuses existem. E na próxima aula você
conhecerá os meios de prova dedutivo e empírico, e compreenderá onde surgem as
divergências, inclusive para os que produzem tais “provas”, pessoas do quilate
de Descartes, Berkeley, Kant e Hegel: Só isso!
Aliás, as religiões nos dão todas as respostas:
“ De onde vim, quem eu sou e para onde eu vou”. Porém, do ponto de vista
secular a melhor resposta a essas indagações é: “Eu não sei, mas estou buscando
saber”. As religiões nos dão verdades absolutas, enquanto a ciência nos dá apenas razoáveis certezas. Assista a próxima aula que a gente vai explicar isso
bem direitinho.
Afinal de contas, no século VI antes da era
cristã, o filósofo Tales, mesmo sem negar seus deuses, buscou separar o
conhecimento dos mitos. O meio natural poderia nos dar respostas, e é isso que
estaríamos buscando. É por isso que o desenvolvimento da filosofia gerou o
método científico, para que possamos nos afastar dos palpites abalizados das revelações
proféticas e enveredemos num caminho mais trabalhoso, fugindo do comodismo das
respostas prontas e dogmáticas, reveladas por algum deus a algum profeta, buscando
encontrar verdades razoáveis, e
não absolutas.
Foi um padre,
George Lemaitre, o maior pensador da Teoria do Big Bang, que deu caminhos para
conhecer o Universo a partir da expansão de um objeto inferior ao tamanho de um
átomo. Os restos mortais de Darwin, ícone da Teoria da Evolução, encontram-se
enterrados na Abadia de Westminster. Um
grande gênio da física, Newton, dedicou seus últimos dias à sua fé e até à
alquimia. Não podemos também esquecer que a igreja católica pediu perdão tardio
a Galileu, condenado por dizer que a terra orbitava o sol, e não o contrário.
Pelo que se vê, as religiões necessariamente
não se afastam do conhecimento e de seus propagadores. Aliás, quantas
universidades católicas e protestantes não existem por aí? Na Grécia Antiga, a
deusa Atena era também conhecida como a deusa da sabedoria. Toth para os egípcios representava o conhecimento e também
a sabedoria, o mesmo caso de Sarasvati para os hindus.
A questão é encontrar o equilíbrio entre
conhecimento e religião, e desejar que alguns segmentos das religiões enfrentem
seus dogmas e busquem compreender que conhecimento
não é ruim, é bom, tudo isso sem traumas e sem medos!
Se o que se busca são explicações, é preciso
discutir as coisas sem usar de estereótipos, sem algazarra, sem medo de
encontrar respostas, e isso vale para todos.
Fica então o convite para continuar navegando
nessa gama de conhecimentos...Na busca infinita pela verdade... Seja ela qual
for!
6 - Você
aprendeu nessa aula:
Nesse capítulo você aprendeu que dentro de uma
perspectiva ateísta os deuses são criados pelos homens para dar respostas
aquilo que não conseguimos explicar.
Muitos religiosos buscam então provar a
existência de seus deuses não pelo método empírico, o método
popperiano...falseabilidade, replicação, essas coisas...Mas essa prova viria
através do método dedutivo, ou seja, da razão. Como dissemos, na próxima aula vamos
enfrentar essa questão, a Razão de Deus, identificando até que ponto a razão
pode provar ou não qualquer coisa.
Voltando ao nosso texto, esses deuses serviram e
servem como elementos agregadores de diversas comunidades, ou seja, os deuses
foram elementos de ajuntamento grupal, e foram e ainda hoje são usados como
justificativas para atacar e conquistar terras e outros bens pertencentes a
outros povos, coisa feita, por exemplo, por grupos extremistas como o Estado
Islâmico em relação aos próprios islâmicos.
Os deuses e suas normas surgem de revelações
divinas a profetas que possuem qualidades eleitas por “esses mesmos deuses”, ou
seus representantes, como virtuosas. Essas revelações divinas correspondem,
para muitos países islâmicos, normas de comportamento civil, tendo força de
ordenamento jurídico, como a Charia, por exemplo.
Quaisquer religiões tendem a se ramificar e se
transformar no tempo e no espaço. Numa mesma região um povo pode dar
características diferentes ao mesmo deus ou deuses, e com o tempo esses deuses
vão adquirindo novas características e sua doutrina vai sendo modificada,
inclusive costumes e ritos.
7 - Referências
7 - Referências
Nos livros de referências, senti falta de O Mundo Assombrado Pelos Demônios, do Carl Sagan. Já li vários livros sobre ateísmo, mas esse foi o que mais me tocou. O curioso é que ao adquirir esse livro, ao ler as primeiras páginas, achei o livro muito chato e o esqueci numa estante. Uns três anos depois, na falta de outro livro para ler, retomei a leitura dele, e fiquei fascinado pelo livro.
ResponderExcluirSim, eu li esse livro, mas não o referenciei para essa lição. Ele será utilizado em episódios futuros, especialmente quando falarmos sobre os perigos das religiões, especialmente a religião cristã. Junto a isso está uma análise de como o cristianismo primitivo foi subjugado pela "política católica". Não duvide que esse curso irá encarar polêmicas sem medo e de frente. Obrigado por comentar. Abraços!
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